Rostos da decadência (mais Cioran)
O Breviário de decomposição é dividido em Genealogia do fanatismo, O pensador de ocasião, Rostos da decadência, A santidade e as caretas do absoluto, O cenário do saber, Abdicações.
Essa terceira parte, apesar de curta, tem muitas seqüências destruidoras. Mais (negritos meus):
Sentir o peso da história, o fardo do devir e esse abatimento sob o qual se dobra a consciência quando considera o conjunto e a inanidade dos acontecimentos passados ou possíveis… A nostalgia, em vão, invoca um impulso ignorante das lições que se depreendem de tudo o que foi; há um cansaço, para o qual o próprio futuro é um cemitério, um cemitério virtual como tudo o que espera chegar a ser. Os séculos tornaram-se onerosos e pesam sobre cada instante. Estamos mais apodrecidos que todas as épocas, mais decompostos que todos os impérios.
O erro dos que captam a decadência é querer combatê-la, enquanto seria preciso fomentá-la: ao desenvolver-se, esgota-se e permite o advento de outras formas. O verdadeiro precursor não é o que propõe um sistema quando ninguém o quer, mas o que precipita o Caos e é seu agente e turiferário.
Que lástima que não haja um Juízo Final, que não tenhamos ocasião para um grande desafio! Os crentes: farsantes da eternidade; a fé: necessidade de uma cena intemporal… Mas nós, descrentes, morremos com nossos cenários e demasiado cansados para nos deixar enganar pelas pompas prometidas a nossos cadáveres…
Vivemos em um clima de esgotamento: o ato de criar, de forjar, de fabricar é menos significativo por si mesmo que pelo vazio, pela queda que se segue a ele.
O homem nasceu com a vocação da fadiga: quando adotou a posição vertical e diminuiu assim suas possibilidades de apoio, condenou-se a debilidades desconhecidas para o animal que foi. Levar sobre duas pernas tanta matéria e todas as repugnâncias ligadas a ela! As gerações acumulam a fadiga e a transmitem; nossos pais nos legam um patrimônio de anemia, reservas de desânimo, recursos de decomposição e uma energia de morte que chega a ser mais poderosa que nossos instintos de vida.
O conjunto dos fenômenos – frutos do espírito ou do tempo, indiferentemente – é suscetível de ser aceitado ou negado segundo nossa disposição do momento: os argumentos, surgidos do nosso rigor ou de nosso capricho, equivalem-se em tudo. Nada é indefensável, desde a proposição mais absurda ao crime mais monstruoso. [ . . . ] Os advogados do inferno não têm menos títulos de verdade que os advogados do céu…
Demasiado maduros para outras auroras, e tendo compreendido demasiados séculos para desejar outros novos, só nos resta chafurdar na escória das civilizações. A marcha do tempo só seduz ainda os imberbes e os fanáticos…
É muita desesperança. Tem mais algumas páginas, algumas passagens igualmente poderosas, mas ficam para outra hora.
Explore posts in the same categories: literaturaTags: desespero, filosofia, humanidade, niilismo
You can comment below, or link to this permanent URL from your own site.
17/06/2008 às 14:42
…em Abdicações parece que toda essa desesperança em relação à história é transferida ao nível pessoal, tipo em “a corda”,”o esfolado” ou “entre os sarnentos”, por exemplo. Sem contar a elegância da escrita…muito foda.
20/06/2008 às 22:44
eheheh “nível pessoal” afudê.
08/07/2008 às 18:41
Cioran é realmente demais! Mta amargura e muito humor!
23/08/2010 às 15:01
Estes trechos que você publicou pertencem a um livro? Eu me interessei pelo material, queria que me dissesse maiores informações a respeito. Espero contato. Obrigado.
23/08/2010 às 15:26
Pertencem ao livro Breviário de decomposição, publicado pela Editora Rocco, linkado lá em cima.
08/04/2011 às 15:56
[…] https://felipeta.wordpress.com/2008/06/12/rostos-da-decadencia-mais-cioran/ […]