Projeto Herzog: Também os anões começaram pequenos (1970)
O Projeto Herzog chega aos anos 70, e podem crer que daqui pra frente tudo, tudo, tudo vai ser diferente.
Como eu já escrevi no post 3 curtas, o curta-metragem Jogo na areia nunca foi lançado ou exibido publicamente, mas foi uma espécie de embrião de Também os anões… Ou seja, aquilo que não tivemos nos anos 60, teremos abrindo os anos 70, e com muito mais potência.
Eu escrevi sobre Even dwarfs started small (Auch Zwerge haben klein angefangen) há quase 3 anos. Tentei fazer um panorama de toda a demência que acontece no filme, então não vou me repetir. É ESSENCIAL ler o texto antigo, porque é lá que vocês saberão – me repito – o que acontece na película, tendo assim base para entender minimamente as imagens e saber do que estou falando – na verdade, do que Herzog está falando. Sim, porque dessa vez vi Anões com os comentários da Máquina, para trazer informações que no texto antigo não existiam, porque na época eu pegara emprestada uma versão sem eles. E de posse de um download próprio, brindarei o público com cenas captadas da tela, outra coisa que não houve 3 anos atrás. Como o tempo destrói tudo, os vídeos com trechos que eu coloquei no já referido post não mais existem. Procurei por cima no YouTube e só encontrei bobagens, tipo a cena clássica do anão rindo, mas sem áudio. Em vez do áudio do filme colocaram um Nile, para fazer de conta que o midget tava destruindo na bateria… Uau, parabéns, pela criatividade.
Começou, então dirijam-se imediatamente para lá e leiam sobre esse pesadelo do Herzog, a comédia mais negra que pode existir, segundo o próprio.
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Leram? Adiante. Lembrando que muito pouco do que escreverei é MEU. Se acharem POESIA, é porque transcrevi os comentários da Máquina Herzogante.
Também os anões foi filmado em pouco mais de um mês, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, ao mesmo tempo em que rolavam as filmagens de The flying doctors os East Africa (post anterior do Projeto Herzog, linkado lá em cima) e Fata Morgana. O Herzogão passou por maus bocados nesse período; passou sede, teve malária e foi preso na África, onde foi maltratado, diz ele. Daí saiu all the gloom and darkness de Também os anões.
É um filme que mostra um mundo onde todos são anões. Eu, tu, todos nós. O mundo cresceu demais e fugiu de suas proporções, tornando tudo que existe nele monstruoso. Não são os anões os freaks, é o mundo. Essa obra vai além da experiência comum, é EXTÁTICA, traz um desespero profundo que só existia no cinema expressionista de décadas atrás; sentimos a escuridão, algo fatal e inominável à espreita. Para Herzog, Também os anões vai sobreviver aos seus outros filmes; Aguirre, por exemplo, é jardim da infância perto desse. Se Goya e Hieronymus Bosch fizeram seus trabalhos grotescos, porque Werner não faria? Sem megalomania, ele apenas pegou emprestada a coragem de artistas como aqueles.
São as galinhas canibais caçando a galinha perneta; os porquinhos mamando na porca morta; os anões cegos brandindo com violência e perigo seus bastões, enquanto são sacaneados pelos outros; vandalismo, risadas descontroladas; uma caminhonete viciosamente em círculos; flores regadas com gasolina e incendiadas; o macaco crucificado e a loucura final daquele que parecia ser o único são da história.
Não é preciso dizer que blasfêmia e animais sendo explorados foram os grandes responsáveis pelo longa ser banido pela censura informal e por Herzog receber ameaças por tentar exibi-lo. Ele teve que alugar cinemas para conseguir passar o filme. Tampouco os dogmáticos de esquerda gostaram do filme, porque para eles era uma mostra de que a revolução era catastrófica. Mas também, convenhamos, O QUÊ não é motivo de desgosto para essa gente…?
As galinhas do filme apareceram por acaso, não estavam no roteiro, como também não estava escrita a morte da porca. Werner considera as galinhas os animais mais estúpidos que existem, tem medo delas, mas elas estavam lá, comendo umas às outras, comendo ratos, PRECISAVAM ser filmadas, eram mais interessantes do que o roteiro. É o retrato nada otimista da mãe-natureza, uma prova de que algo saiu muito errado na Criação. Werner ri. A porca seria morta por um açougueiro de qualquer jeito, Herzog apenas pediu que isso fosse feito no local da filmagem. Não tem violência e tripas, o abate não é mostrado, simplesmente a bicha morre e os porquinhos vão mamar nela. Os anões curtem uma depressão em volta da cena. Real. Para Werner Herzog não existe diferença entre filme de ficção e documentário. Ele considera Fitzcarraldo (1982) seu maior documentário, inclusive.
E a comédia? O post de 3 anos atrás era cômico, exaltava Werner Herzog como o gênio da comédia. Ele próprio fala que esse filme faz ele rir até doer a barriga. Nós vivemos num mundo monstruoso, e anões com suas dificuldades motoras e risadinhas agudas são engraçados, eu lamento informar. E a risadinha do Hombre, o midget principal, era tão importante quanto os diálogos, ele chegava a ensaiá-la. Se um carinha (um outro) tá amarrado a uma cadeira, é um prisioneiro, e passa o filme inteiro rindo porque não consegue se segurar, não tem como não achar graça. O Herzog dá uma moeda quebrada para o coitado morder e dividir em duas partes. NÃO RI se tu conseguir! Ele parte a moeda com os dentes, aí fica se segurando, olhando pra cima, desesperado para rir, até que estoura. A Máquina morre de rir comentando a cena. EU não vou rir? É uma comédia, ora. Quem não ri de comédia não faz sentido. E toda a seqüência de destruição é sim hilariante, com o pessoalzinho em plena ação maluca.
A plena ação dos anões causou o atropelamento de um deles, do mais ousado. O mesmo cara também conseguiu se incendiar, mas o fogo logo foi apagado pelo próprio Herzog, que se atirou em cima do anão. Ninguém se machucou e todos sobreviveram, levando o nosso Werner a cumprir uma promessa depois das filmagens: pular em um cacto. Pular foi fácil, difícil foi sair do cacto.
Também os anões começaram pequenos se encerra com uma cena sem precedentes, que só encontrará competidora quando Herzog filmar Stroszek: um dromedário ajoelhando e defecando para deleite do anão risadinha. Parece não ter fim. O coitado ri sua melhor risada, passa mal, começa a tossir, sente dores, perde a voz, até que leva a mão à nuca e o filme termina. Werner Herzog se perguntava por quanto tempo deveria filmar aquilo. O cinema às vezes não tem clemência. Ele queria cortar, mas não conseguia parar de ver o anão sem controle. Quando o pequeno chega no limite, Herzog corta. E, com sorte, a dor e o pesadelo terminam.
It’s over. Tá tudo bem agora.
VIVA HERZOG!
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Tags: Auch Zwerge haben klein angefangen, even dwarfs started small, projeto herzog, também os anões começaram pequenos, werner herzog
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16/03/2010 às 17:49
PQP!!!! Fui às gordas lendo o post, em pleno ambiente corporativo uhuhuhuhu. Sensacional o post, o filme, o Herzog. Lembrei da experiência bizarra q tive assistindo sozinho a esse pulme, na PF Gastal. Como me caguei de rir sozinho vendo essa porra. Aliás, faremos uma sessão esepcial acho q no próximo finde ou no outro. Quero rever os anões. Tá na área?
16/03/2010 às 18:01
elsam.
17/03/2010 às 15:54
[…] toda força que aciona prejudica « Projeto Herzog: Também os anões começaram pequenos (1970) […]
04/09/2010 às 19:10
[…] 07. Fliegenden Ärzte von Ostafrika, Die (1969) (TV) aka The Flying Doctors of East Africa 08. Auch Zwerge haben klein angefangen (1970) aka Even Dwarfs Started Small 09. Behinderte Zukunft? (1971) (TV) aka Handicapped Future 10. Fata Morgana (1971) 11. Land des […]
24/02/2011 às 16:23
[…] que aciona prejudica « Projeto Herzog: Precautions against fanatics (1969) Projeto Herzog: Também os anões começaram pequenos (1970) […]
28/01/2012 às 21:18
Muito bem redigidos os dois artigos! Também me foi muito gostoso relembrar as cenas absurdas do filme. Só faltou nas tuas colagens a cena em que Hombre esconde-se atrás de um quadro de uma mulher nua e dá muita risada. Genial mesmo!
28/01/2012 às 21:45
Valeu, cara. Verdade. E a luta do Hombre para subir na cama também é ótima.